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Nuno Pacheco
25 de Maio/23

Ecos de violas encantadas, numa noite em Castro Verde

Um disco estreado em Castro Verde, Violas EnCantadas, mostra que o diálogo entre Portugal e Brasil também pode nascer de uma estimulante “conversa de cordas”.

Desde que se registou um ressurgimento da importância dos cordofones tradicionais na música que por cá se vai fazendo (com destaque para a instrumental, que felizmente também renasceu), não têm faltado ideias ou projectos a ampliar tal aventura. O tema já foi objecto da duas destas crónicas, ambas publicadas em 2022 (“A Cultura está a ir aos arames – e esta é uma boa notícia”, de 28 de Julho; e “Regresso aos arames, antes do Brasil que por aí vem”, de 8 de Dezembro) e é raro o mês em que não nos deparamos com notícias a tornarem mais extenso o rol.

Em Fevereiro, foi lançado no Museu do Fado um novo tipo de guitarra, a Guitarra Saloia, criação do mestre guitarreiro Óscar Cardoso, que ali a apresentou com esta advertência: “Uma guitarra octogonal, construída em homenagem às gentes saloias. Pela sua proporção perfeita, propicia harmonias únicas. Ouçam para entender!” E quem lá esteve ouviu-a, numa sessão que contou com a participação dos músicos Ângelo Freire, Custódio Castelo, Filipe Lucas, Frankie Chavez, José Elmiro, José Manuel Neto, José Simões, Mário Pacheco e Paulo Soares. Passados três meses, no dia 18 de Maio, a Guitarra Saloia deu-se a ouvir no Real Edifício de Mafra, num concerto que contou com os guitarristas Custódio Castelo, José Manuel Neto e Luís Guerreiro.

Com instrumentos de cordas e muitos outros seus companheiros, de fole ou peles, não tarda aí o festival Palheta Bendita, que vai reunir, de 9 a 11 de Junho, no Parque de Geão, em Santo Tirso, músicos e construtores de instrumentos ao público que ali afluir. Criado em 2005, tornou-se uma referência nas mostras de construtores de instrumentos musicais populares de Portugal e Galiza.

Mas se, no campo dos cordofones, em particular no das violas de arame, houve algo que marcou pelo ineditismo o calendário nestes últimos meses, foi o disco Violas EnCantadas, assinado por um trio versado nestas “conversas de cordas”: o brasileiro Fernando Deghi e os portugueses José Barros (fundador dos Navegante) e Ricardo Fonseca. O lançamento deu-se há quase um mês, na noite de 29 de Abril, no Cineteatro Municipal 

de Castro Verde, e bastava olhar o palco, mesmo antes do início do espectáculo, para se perceber a amplitude do projecto: ali estavam nada menos do que 22 cordofones diferentes, aos quais se juntariam mais três, trazidos pelos músicos. Um total de 25, embora não os tenham tocado todos, nem no disco Violas EnCantadas, dando-nos este a conhecer não só o “B.I.” como a afinação de nove daqueles instrumentos (as violas Braguesa, Caipiresa — uma mistura da viola Caipira com a Braguesa —, Campaniça, Beiroa, Amarantina, Harpa viola, Ayla, Flor de Liz e Marieta) e o nome dos respectivos construtores.

No palco Cineteatro Municipal de Castro Verde: 22 cordofones à espera dos músicos DR

Foi um processo de criação que levou tempo, desde Setembro de 2022, quando começou a primeira de três residências artísticas onde os músicos foram testando ideias e repertórios, acabando por cruzar, de forma harmónica e com êxito, temas nascidos dos dois lados do Atlântico, como o Trenzinho do Caipira de Villa-Lobos e Ferreira Gullar com o tradicional do Alto Alentejo Lá vem o comboio (o primeiro com arranjo de Fernando Deghi e o segundo com adaptação de José Barros); a sertaneja Tristeza do Jeca, de Angelino de Oliveira, com Amora madura, tradicional do Baixo Alentejo; o Luar do Sertão de Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco com Saudades da Lua, um original de José Barros; o Mourão da porteira, de João Pacífico e Raul Torres, com Gotinha de água, criação de José Barros a partir de um tradicional do Alto Alentejo; ou a Padeirinha, original de Ricardo Fonseca, com a nordestina Asa Branca de Luiz Gonzaga.

Ora se o EnCantadas do título deriva em parte do facto de tais canções terem letra, casada com a sonoridade das violas que aqui as acompanham, vem também do misto de surpresa e encantamento que tais “casamentos” provocam no ouvinte, sem que se estranhe a transição das sonoridades brasileiras para as portuguesas, ou vice-versa, nem o recurso, nas instrumentações e arranjos, a cordofones de diferentes proveniências, formatos e afinações.

Como bem escreve o etnomusicólogo Domingos Morais, num texto inserido no libreto do disco, os três músicos “arriscam procurar improváveis relações, coincidências, em motivos melódicos e rítmicos, poesias e temáticas como pontos de partida para nos darem novas leituras de temas revelados nos títulos, mas que nos exigem uma enorme argúcia na sua descoberta, possível numa audição atenta”. Foi o que sucedeu em Castro Verde, berço acolhedor de tão criativo encontro, e é o que sucederá a quem ouvir o disco que dele ficou: Violas EnCantadas, a fazer jus ao título.

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